Muitas vezes, confundimos nossas crenças e opiniões com nós mesmos (de maneira consciente ou inconsciente). Quando fazemos isso, ao expressar nossos pontos de vista, nos sentimos ofendidos ou irritados quando outros discordam de nós, como se o nosso valor como indivíduos (especialmente nossa inteligência) dependesse de estarmos certos ou errados a respeito de algum assunto – que, muitas vezes, envolve inúmeros fatores e perspectivas, tendo como consequência um alto grau de subjetividade. Então, ficamos sempre com os nervos à flor da pele, prestes a nos enraivecer logo que alguém diga algo diferente de nossas próprias crenças.
A diferenciação clara entre o que somos e o que pensamos é algo que pode trazer muita serenidade. Fazendo essa distinção, nos tornamos capazes de ouvir as opiniões discordantes de outras pessoas, sem a tendência de nos irritarmos com elas, já que não achamos que elas estão nos agredindo ou menosprezando nossa inteligência. Estão apenas dizendo o que pensam, tendo como base não só o raciocínio, mas também suas trajetórias de vida, experiências e temperamentos – fatores que inevitavelmente se misturam às concepções de todos nós e contribuem para formar nossa visão de mundo.
Isso não significa que devemos sempre concordar com os outros, abandonando nossas próprias crenças e opiniões. É importante pensar por si mesmo, exercendo a faculdade do discernimento e da reflexão. Porém, com a consciência de sermos imperfeitos, e, portanto, sujeitos também a crenças e opiniões equivocadas, podemos nos abrir ao que o outro diz e considerar com calma e atenção seus pontos de vista.
Podemos fazer isso sem medo, pois já temos consciência de que não somos nossas opiniões, e de que somos capazes de mudá-las, caso venhamos a perceber que eram equivocadas. A disposição de mudar de ideia é um elemento da inteligência, pois somos seres em constante movimento, sempre podendo evoluir de muitas formas.
Ao mesmo tempo, dependendo do caso, se houver a percepção de alguma abertura por parte do outro, podemos, através de argumentos lógicos e embasados, tentar fazê-lo questionar-se e rever suas opiniões.
Se não somos nossas crenças e opiniões, o que somos então?
Somos seres complexos e multidimensionais, e é difícil, se não impossível, apresentar uma definição completa. Mas creio que, em grande medida, somos nossos valores e as atitudes que tomamos a partir deles.
Muitas pessoas compartilham (ou pretendem compartilhar) valores como a solidariedade, o amor, a honestidade, a busca de justiça e de sabedoria, a determinação, a fé, a compreensão, o perdão, a paz, o respeito, a vontade de melhorar sempre.
Mas talvez, neste ou naquele momento da nossa caminhada, estejamos adotando opiniões e crenças que, se pensarmos bem, não são condizentes com nossos valores. Não somos infalíveis, nossa capacidade de raciocínio não é absoluta. E pode ser que, justamente numa conversa com outra pessoa, passemos a perceber essa distância entre nossas opiniões, nossas atitudes e nossos valores.
Podemos refletir sobre o que ela diz, não para concordar imediatamente, mas para, ponderando com cuidado, clarear nossa mente e nosso pensamento. Nesse sentido, a serenidade conquistada contribui muito para fazer avaliações mais razoáveis e precisas.
E, então podemos, ou mudar de opinião, ou perceber com mais fundamento e convicção que o que pensávamos era mesmo a opinião condizente com nossos valores. Dessa forma podemos, ou chegar a um consenso ou, mantendo o respeito mútuo, estabelecer uma discordância com paz, sem estarmos sujeitos a estresse, irritação, desentendimentos e desgaste emocional, pois não encaramos o diálogo como uma disputa em que, ao final, um lado vence e o outro perde. Porque, no diálogo produtivo, todos podemos ganhar. Basta lembrar sempre de nossa dignidade humana essencial, assim como a do outro.
O diálogo verdadeiro é um ideal difícil de atingir, provavelmente impossível em plenitude, mas como toda utopia, pode servir como norte e busca. Empenhar-se para ir em sua direção já é um grande bem.
Por Edu Café
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