.OKEY CABOCLO!

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OKEY CABOCLO!

29/11/2010

O MISTÉRIO CABOCLO









A Umbanda tem nos Caboclos uma de suas linhas de trabalhos espirituais.
A linha de caboclos é formada por milhões de epíritos, todos incorporados às hierarquias espirituais regidas pelos Orixás menores, o primeiro grau da hierarquia dos Tronos Naturais.

Espíritos oriundos de todas as religiões, com as mais diversas formações teológicas e mesmo culturais, têm se integrado às linhas de caboclos para realizar todo um trabalho de caridade, doutrinação e espiritualização junto aos seus afins encarnados.

Saibam que o Ritual de Umbanda Sagrada congrega em seus colégios magnos, existentes no astral, espíritos oriundos de todas as religiões, inclusive muitas que já cumpriram suas missões no plano material, mas continuam ativas no lado espiritual da vida, onde têm planos espirituais só seus e destinados a acolher seus afins que reencarnarem.


Essas religiões, já recolhidas ao lado espiritual, foram regidas por divindades que ampararam milhões de espíritos durante seus estágios humanos da evolução. Mas muitos não ascenderam às esferas excelsas da luz, e continuaram a reencarnar  sob a regência das divindades das novas religiões, que vêm substituindo as mais velhas e cujas mensagens se dirigiam a povos com culturas e expectativas diferentes das dos povos atuais.


Estas divindades antiquíssimas são regidas pelos Sete Tronos Planetários e, através da Umbanda, puderam colocar suas imensas hierarquias espirituais em contato direto com o plno material, onde, atuando incorporados nos médiuns, v~em resgatando seus afins paralisados no ciclo reencarnacionista ou que haviam estacionado em regiões sombrias existentes nos níveis vibratórios negativos.


Os espíritos luzeiros, atuando a partir do plano material, têm despertado milhões de afins que estavam impossibilitado até de reencarnar, pois estavam à margem da vida.


O Ritual de Umbanda Sagrada é uma congregação religiosa em que está presente a maioria das religiões que já existiram na face da terra. E cada uma dessas religiões recebeu uma ou várias linhas de trabalhos espirituais dentro dda religião de Umbanda, cuja caracterítica mais marcante é a incorporação de espíritos.


Saibam que cada divindade é um mistério em si, e os nomes simbólicos das linhas de trabalhos da Umbanda estão ligados às divindades, muitas das quais já tiveram seus nomes esquecidos ou recolhidos aos livros de lendas e mitologias.


Para que entendam o que estamos comentando, imaginem isso:


_ Dois mil anos atrás estava se encerrando uma era religiosa e se iniciando outra. A descida à carne e a espiritualização do Trono da Fé e do Amor, na pessoa de Jesus, já fez parte desse novo ciclo, assim como a do Buda já fazia, e Maomé, o profeta, também fez.


Esses três mensageiros divinos, semeadores de novas doutrinas religiosas, tinham por missão substituir as antigas doutrinas e fechar no plano material a atuação das antigas divindades, cujas mensagens religiosas já estavam defasadas no tempo, e não seriam renováveis e adaptáveis às futuras transformações na crosta terrestre.


Antes havia religiões nacionais, ou de nações mesmo!


- Gregos, romanos, egípcios, fenícios, assírios, hindus, judeus, todos tinham suas respectivas divindades.


Enfim, cada povo possuía seu panteão religioso, muitas vezes copiando de outros povos mais antigos. Mas, assim mesmo, cada um possuía suas divindades e suas religiões nacionais.


Na África, o mesmo acontecia e cada nação africana possuía suas divindades e seu culto próprio. E por isso os adeptos do Candomblé praticam o culto de "nação", ou o culto herdado da mãe África, trazido para o Brasil pelas correntes de escravos que aqui vieram ( trazidos), tais como: povos Angola, Cambinda, Munjolos, Bantus, Mussurumis ou Muçulmanos, Ketos, Jêjes, Haúças, Nagôs, Minas, Congos, etc..


Ainda que as diferenças fossem insignificantes, havia a questão das línguas e culturas a separá-los.


- Saibam que hoje, no continente africano, a religião muçulmana e a cristã já são maioria em número de fiéis, ainda que os cultos aos ancestrais divinizados tenham resistido aos avanços do islamismo e do cristianismo. E com isso, um sincretismo também está se alastrando pelo continente africano, onde Jesus Cristo e Alá vêm substituindo as divindades naturais. E isso sem contarmos com o avanço do hinduísmo e do budismo, ainda restritos a alguns pontos isolados.


Afinal, as religiões são assim mesmo: umas vivem tentando ocupar os domínios das outras para se apossarem dos seus fiéis.


É assim que umas vão sendo substituídas por outras e novas formas de cultuar a Deus e suas divindades vão sendo colocadas à disposição dos espíritos encarnados.


Mas as religiões que vão desaparecendo ad face da terra vão se condensando no astral e os espíritos que evoluíram nelas vão vendo seus campos de ação junto aos encarnados serem reduzidos, dificultando o trabalho de amparo aos seus afins ainda atrasados.


Quando os regentes planetários criaram a Umbanda e a codificaram como" espiritualista", abriram-na para todos os espíritos que quisessem atuar através dela junto dos encarnados.


A única condição imposta foi a de se colocarem sob a irradiação das divindades naturais que na Umbanda se renovariam, mas manteriam seus nomes africanos.


Essa condição visou reduzir o universo religioso a umas poucas divindades planetárias, pois até o excesso de divindades "africanas" foi descartado, pois foi visto como divisor da religiosidade.


Muitos nomes africanos estão desaparecendo ou caindo no esquecimento e estão sendo substituídos pelas denominações iorubás, tais como: Ogum, Xangô, Yemanjá, Yansã, etc.. E, à medida que o tempo for passando, a teogonia de Umbanda se centrará só nos Tronos planetários manifestadores das qualidades de Deus, estabelecendo de vez e em definitivo seu universo religioso.


O que foi codificado é que as religiões antigas teriam a oportunidade de criar linhas de trabalhos espirituais e magíticas, que atuariam sob a regência dos "Orixás", mas recorreriam aos seus próprios conhecimentos e aos mistérios das divindades interplanetárias que os regiam.


Assim surgiram muitas linhas de trabalhos, e todas englobadas no grau de linhas de caboclos, de pretos-velhos, de exus e de pomba-giras.


Nas linhas de caboclos muitas religiões estão presentes, e só como exemplo, temos a linha dos Caboclos do Fogo, que é toda formada por "magos" do fogo adoradores de "Agni", e temos a linha de Caboclos "Tupã", formada por pajés adoradores de Tupã, que é Deus para os índios brasileiros.


- Agni é Deus na Índia, para os hindus que o cultuam com esse nome.
- Tupã é Deus no Brasil, para os índios que o cultuam com esse nome.


O simbolismo e a analogia regularam a denominação das linhas de trabalhos espirituais, e todos os espíritos incorporados a elas, venham da religião que for, preservarão o culto e a reverência aos nomes iorubás das divindades, já que tanto o Deus hindu Agni quanto o Orixá africano Xangô são o mesmo Trono da Justiça Divina, mas adaptado a dois povos, duas culturas e duas formas de cultuá-lo e adorá-lo.


A divindade planetária regente da Justiça Divina é uma só. Mas manifestou-se de forma diferente para povos e culturas diferentes. Logo, como a Umbanda, fundamentou-se na teogonia iorubá, espíritos cuja formação religiosa processou-se na Índia, quando incorporado trabalha em nome de Xangô, o Orixá da Justiça Divina.


Com isso ordenou-se a religião e religiosidade dos umbandistas, pois um médium sabe que seu mentor é um espírito cuja última encarnação ocorreu na Índia, mas manifesta-se quando cantam para Xangô...ou para Oxóssi, ou para Ogum, pois mesmo os hindus são regidos pelos Sete Orixás Ancestrais ou Sete Tronos Essenciais, que não pertencem a essa ou aquela religião e povo, mas sim, estão na ancestralidade de todos os espíritos.

Portanto, os espíritos que são incorporados, só são nas linhas cujas divindades ou "Orixá" seja seu regente ancestral.

Assim, se na ancestralidade de um " caboclo" está o elemento fogo, quem o rege é Xangô; e se está o elemento mineral, quem o rege é Oxum, etc.. E sua linha de trabalhos espirituais atuará no campo do Orixá que está dando amparo divino à atuação dos espíritos que se apresentam com o seu nome ( da divindade) simbólico.

Não vamos dar todos os nomes das linhas de trabalhos, mas só algumas, para que entendam o Mistério Caboclos:

> Linha de Caboclos Sete-Montanhas, regido por Xangô.
> Linha de Caboclos Sete-Espadas, regidos por Ogum.
> Linha de Caboclos Cruzeiro, regidos por Obaluaê.
> Linha de Caboclos Sete-Pedras, regidos por Oxum.
> Linhas de Caboclos das Matas, regidos por Oxóssi, etc..


Mas temos linhas mistas ou regidas por mais de um Orixá:


> Linha de Caboclos Sete-Flechas, regidos por Oxóssi e Yansã.
> Linha de Caboclos Sete-Pedreiras, regidos por Xangô e Yansã.
> Linha de Caboclos Cobra-Coral, regidos por Ogum, Xangô, Yansã e Oxóssi.


Nestas linhas, e em todas as outras, são incorporados milhares de espíritos cujas religiões não eram a iorubá nem a indígena brasileira. Mas todos têm uma forma de incorporar bem característica, que todos reconhecem quando incorporam para trabalhar, diferenciando-os dos pretos-velhos.


A última religião de um espírito pouco importa, pois na Umbanda ele reverenciará os Orixás aos quais já servia, só que com outro nome.


Afinal, Deus é único, o Trono regente do nosso planeta em seu todo também é único. E os quatorze Tronos Planetários Naturais (os nossos Orixás) também são únicos, ainda que sejam cultuados com muitos nomes.





Texto foi tirado do livro: Umbanda Sagrada, de Rubens Saraceni.





26/11/2010

OS CABOCLOS DE UMBANDA




Os nossos amados Caboclos são os legítimos representantes da Umbanda.

A "morada" dos caboclos é a mata, onde recebem suas oferendas. Dividem-se em diversas "tribos" ( Falanges ), e vem de muitos lugares, formando "aldeias" ( Linhas ). 


Contudo, nem todos os Espíritos que se manifentam como Caboclos foram índios e/ou mestiços quando em carne. Eles apresentam essa roupa fluídica por afinidade vibratória á toda uma simbologia de força, pureza, simplicidade e amor pela Criação Divina.
Vêm para nos trazer paz através de conselhos, reencaminhamento espiritual, restituição do equilíbrio; muito importante para a saúde, através de seus passes e de suas ervas santas.

Há falanges de caçadores, curadores, guerreiros, feiticeiros, justiceiros. São eles os trabalhadores de Umbanda, e muitos são Chefes de Terreiros.

Muitas vezes os caboclos são confundidos com o Orixá Oxossi, e vice-verso. Porém, eles são os valorosos Trabalhadores da Umbanda que pertencem a linha de Oxossi, podendo manifesta-se sob as Irradiações de outros Orixás.

As sessões de caboclos são muito alegres, lembram as festas das tribos. E, assim como os Preto-velhos, possuem grande elevação espiritual. 

Em terra, trabalham "incorporados" em seus médiuns, dando passes e consultas, em busca também, de sua elevação espiritual. Estão sempre prontos para mais uma missão, para vencer mais uma demanda, para ajudar mais um irmão de fé. São de pouco falar, mais rápidos no agir. Têm muita firmeza ao tomar uma decisão e são conselheiros severos e exigentes.

Os Caboclos agem de acordo com planos pré-estabelecidos pelas Altas Hierarquias Espirituas. Eles chegam até nós com grande e sublime missão a desempenhar, tarefa da mais alta importância. Por serem espíritos muito adiantados e caridosos, eles vêm para nos orientar e nos reconduzir ao nosso verdadeiro Caminho Evolutivo.

Os  Caboclos vêm com sua caridade, auxiliar-nos nas enfermidades material, ou espiritual do dia a dia. 

Eles são espíritos que foram médicos, cientistas, sábios, professores, enfim, pertenceram a diversas classes sociais e profissionais, quando viviam em Terra.

Por essas razões, os Caboclos são escolhidos por Oxalá para serem os Guias-Chefes dos médiuns, ou melhor, representar o Orixá de cabeça do médium Umbandista (em alguns casos os Pretos-Velhos assumem esse papel).

É o braço forte nos trabalhos umbandistas. Muito requisitados nas sessões de desenvolvimento mediúnico, curas, desobsessões, solução de problemas psíquicos e materiais, demandas materiais e espirituais e uma série de outros serviços e atividades caritativas executados nas tendas de  Umbanda.

Os caboclos não trabalham somente nos terreiros como alguns pensam. Eles prestam serviços no plano astral, acolhendo os desencarnados e amparando-os até que estejam prontos para outras etapas evolutivas da vida.

Há verdadeiras Escolas/hospitais astrais onde é certa a atuação dos amados Caboclos. Com uma vibração semelhante a dos índios, que são fortes, mas de almas simples, esses Espíritos de Luz são verdadeiros Guardiões de Mistérios Divinos, não admitindo em seus Trabalhos agressões, leviandade nem desordem. 

Os caboclos são espíritos de muita Luz que assumem a forma de índios, mostrando-nos assim, em si mesmos o exemplo de humildade. São exímios "caçadores" de almas por estarem sob a Irradiação do Orixá Oxóssi, o maior Caçador de Almas.

São profundos conhecedores de tudo o que vem da terra. Assim, os Caboclos são os melhores guias para ensinar-nos a importância das ervas e dos alimentos vindos da terra.

Em seus trabalhos receitam ervas para banhos de limpeza e chás para a parte metabólica do corpo, ajudam na vida material com trabalhos de magia positiva, que limpam a nossa aura e proporcionam energias e forças que nos auxiliarão para que consigamos atingir nossos objetivos com nossos próprios esforços. 

O trabalho que eles desenvolvem é o de encorajar o nosso espírito e prepará-lo para que nós consigamos o nossos objetivos. 

A magia praticada pelos Caboclos e Pretos Velhos é sempre positiva, não existe na Umbanda trabalho de magia negativa, ao contrário, na Umbanda trabalha-se para desfazer a magia negativa que vem das ações de espíritos caídos nas trevas da inconsciência humana. 

Os caboclos são entidades simples e através da sua simplicidade passam credibilidade e confiança a todos que os procuram.

É comum os Caboclos virem na Irradiação do Orixá masculino da Corôa do médium e as Caboclas vêm na Irradiação do Orixá feminino da Corôa do médium. 

Mas, eles (as) podem vir também na Irradiação do seus próprios Orixás Ancestrais e/ou de quando encarnados ( última encarnação ) e por isso apresentarem-se com uma roupagem diferenciada, como a oriental, por exemplo.


Nota: Este texto é a compilação de alguns textos que encontrei na internet. Encontrei várias versões e nenhuma com fonte segura sobre a autoria. Por considerá-lo bom em vários pontos decidi adaptá-lo ao meu propósito, informar corretamente segundo o que me foi ensinado com propriedade.
Peço que, se o autor ou quem o sabê-lo, contatar-me para os devidos créditos. Grata.




24/11/2010

- O LEGADO DE BENJAMIN FIGUEIREDO -








UMBANDA: 100 ANOS (1908 - 2008)

INTRODUÇÃO

Escrever sobre Benjamin Gonçalves Figueiredo não é apenas falar do homem e do médium, porque sua vida se mistura com a mensagem e com a obra de seu mentor espiritual, um dos mais importantes dirigentes espirituais da Umbanda: o magnífico Caboclo Mirim. Ambos serão para sempre um exemplo edificante de amor ao próximo e de luta pela dignidade do culto umbandista.

Em um momento histórico-cultural difícil para a Umbanda, Benjamin Figuei redo foi um dos principais expoentes no movimento pela evolução do culto e pelo reconhecimento das casas umbandistas junto às autoridades de seu tempo, estando lado a lado de alguns dos incansáveis guerreiros dos primeiros anos da nossa querida Umbanda, tais como Zélio Fernandino de Moraes, Domingos dos Santos, João Carneiro de Almeida, José Álvares Pessoa, Manoel Nogueira Aranha, João de Freitas, Cavalcanti Bandeira, Cícero Bernardino de Melo, Narciso Cavalcanti, Félix Nascente Pinto, Jerônimo de Souza, Henrique Landi Júnior, Matta e Silva, Tancredo da Silva Pinto, Átilla Nunes (pai), Omolubá, Flavio da Guiné, dentre outros.



Por toda uma vida voltada à unificação dos umbandistas, Benjamin Gonçalves Figueiredo deixou registrada em nossa memória as lembranças do incansável líder, do médium admirável de Caboclo Mirim e de Pai Roberto e do homem cuja integridade e ideais em muito superaram os seus dias, nos trazendo até os dias de hoje os ecos de uma bela mensagem de fé e de determinação em tirar a Umbanda da marginalidade a qual esteve relegada pela sociedade brasileira até meados do século passado.


A ANUNCIAÇÃO DA UMBANDA
Há cerca de 20 anos após a proclamação da República, a sociedade brasileira vivia profundas transformações, ainda em busca de sua personalidade, de sua “brasilidade”. No mundo das artes, por exemplo, um grupo de artistas revolucionava a estética e a linguagem na Semana de Arte Moderna de 1922. Esse sentimento nacionalista viria também a se manifestar na política, com a ascensão de Getulio Vargas ao poder, já na década de 1930. Era o fim da hegemonia da elite agrária e a implantação do Estado Novo.

A característica mestiça da população brasileira passava a ser valorizada, tida como forma de união da nação. Por essa visão, os vários grupos raciais ganhavam igual importância na formação da civilização brasileira. Esta ideologia ajudou na crença de que o preconceito racial não existia no Brasil. Gilberto Freyre, em seu livro "Casa Grande e Senzala" (1933), foi um dos intelectuais que deram suporte a tal tese.

Até o samba, manifestação cultural oriunda da cultura negra brasileira, era redescoberto e reformatado, levado a um universo mais amplo: brilhava a estrela de Carmem Miranda!




E dentro deste contexto nacional, um fato marcante, para aqueles que se propõe a estudar as origens da Umbanda, veio a consolidar-se como o marco inicial da religião: a famosa manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas em 1908, através do seu médium Zélio Fernandino de Moraes (1891-1975), na cidade de Niterói, então capital do antigo estado do Rio de Janeiro. A data, 15 de novembro, é a mesma da comemoração da proclamação da República brasileira. Coincidência?



Diante de uma respeitada e organizada Federação Espírita Brasileira, Caboclo das Sete Encruzilhadas pôde deixar registrada a definição do novo movimento religioso: "Uma manifestação do espírito para a caridade”. Caridade, a principal lei da Umbanda, religião do amor fraterno em benefício dos irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social.

Sabe-se que aquela não foi a primeira manifestação mediúnica de um espírito com perfil de um índio brasileiro, uma vez que desde o final do século XIX há registro da presença destes em pequenos terreiros, espalhados à margem da sociedade daqueles dias, as ditas “macumbas cariocas”. Mas o advento do Caboclo das Sete Encruzilhadas foi realmente especial por diversos aspectos. No início do século XX, “macumba” podia facilmente definir toda e qualquer relação mediúnica (geralmente promíscua) de curandeiros, pais-de-santo, feiticeiros, c harlatões, e todos aqueles que se dispunham a intervir junto às forças invisíveis do além apenas em troca de dinheiro e poder, como bem descreve Paulo Barreto em 1904, sob o pseudônimo de “João do Rio”, no livro “As Religiões no Rio”:

“Vivemos na dependência do Feitiço, dessa caterva de negros e negras de babaloxás e yauô, somos nós que lhes asseguramos a existência, com o carinho de um negociante por uma amante atriz. O Feitiço é o nosso vício, o nosso gozo, a degeneração. Exige, damoslhe; explora, deixamo-nos explorar e, seja ele maitre-chanteur, assassino, larápio, fica sempre impune e forte pela vida que lhe empresta o nosso dinheiro.”
Daí percebe-se a grandeza da missão do Caboclo das Sete Encruzilhadas como mensageiro das diretrizes da mais altas esferas da espiritualidade. Sua presença e sua mensagem eram muito claras: uma nova legião de entidades iluminadas trabalharia pe la elevação moral e espiritual do nosso povo, sob a inspiração de Cristo-Oxalá. Era o nascimento da Umbanda!

Desta forma entendemos porque, em 12 de março de 1920, outro jovem médium viria a ser o veículo de mais um iluminado Mestre, que também se utilizando da roupagem fluídica de um índio brasileiro, veio ratificar a mensagem de humildade e caridade da Umbanda.



Vinha ensinar a prática da mediunidade em sintonia e respeito à natureza e ao livre-arbítrio do praticante, na plenitude da “Escola da Vida”.

Assim, Caboclo Mirim se manifestava pela primeira vez naquele que seria seu companheiro de uma vida: Benjamin Gonçalves Figueiredo (26/12/1902 - 03/12/1986).

A TENDA ESPÍRITA MIRIM EM 1924

Benjamin Gonçalves Figueiredo, então com dezessete anos, participava com sua família de sessões espíritas (kardecistas) até que, em março de 1920, em uma dessas reuniões, Caboclo Mirim incorporou o jovem médium e anunciou que aquela seria a última sessão de Kardec realizada por aquela família e que as próximas passariam a ser de Umbanda, religião apresentada apenas há pouco mais de dez anos.

A partir de então, toda a família Figueiredo viu-se envolvida na formação daquele que seria um dos mais importantes núcleos umbandistas do Brasil. Aos 13 dias do mês de março do ano de 1924 considerou-se fundada a Tenda Espírita Mirim. Desde o início Caboclo Mirim advertiu que aquela seria uma Organização única no gênero em todo o Brasil, cujo método seria adotado por outras Tendas, até mesmo em outros Estados da Federação.

De fato, o ritual da Tenda Mirim sempre se destacou no meio umbandista por trazer influencias de correntes filosóficas que vão desde o Ocultismo e a Teosofia ao Espiritismo de Kardec. Caboclo Mirim aboliu do seu culto diversos elementos que estavam intimamente li gados à noção de que se tinha das “macumbas” e feitiçarias reinantes naqueles tempos, bem como alguns outros também relacionados ao culto católico e à cultura africana, em especial.

Ainda como parte da ruptura com outras religiões, nos terreiros orientados por Caboclo Mirim não se encontravam altares com as imagens católicas, apenas a de Jesus Cristo situado acima da altura da cabeça dos médiuns, onde se lia a inscrição “O Médium Supremo”. Os atabaques foram trocados por enormes tambores (tocados sentados), toalhas-de-guarda e as vestes rendadas coloridas, típicas da Bahia, deram lugar aos brancos uniformes e calçados, sempre sóbrios, como a lembrar a seus médiuns que todos eram apenas operários da fé, ou melhor, “Soldados de Oxalá”, como na letra de um belo hino da Tenda Mirim. Nenhum ornamento, nem guias, colares ou qualquer tipo de ostentação pessoal era aceita. Antes da abertura dos trabalhos, era até difícil ao visitante reconhecer os dirigentes dentre os demais médiuns da Casa.

Foi um primeiro passo em busca de uma identidade própria para a Umbanda, buscando-se dignificar o culto e seus participantes, tendo como base a organização e a disciplina do conjunto do corpo mediúnico da casa umbandista. Percebe-se ainda a nítida influência do movimento positivista daqueles tempos, através de uma certa rigidez hierárquica e disciplinar no terreiro, o que aliás, atraiu muitos médiuns militares para as fileiras das casas sob a orientação de Benjamin Gonçalves Figueiredo.

Caboclo Mirim introduziu tamb ém o conceito de graduação aos seus médiuns em desenvolvimento, com uma classificação própria para cada um nos trabalhos de atendimento público. Foi, talvez, a primeira Escola de Formação Iniciática Umbandista!

O novo adepto da religião iniciava seu desenvolvimento mediúnico na base da pirâmide hierárquica do terreiro, e ia ascendendo nela conforme em seu próprio ritmo, levando-se em conta a seriedade e a dedicação do neófito, e sempre de acordo com a intensidade e a qualidade com que seus próprios Guias trabalhavam junto ao médium.

Com isso, durante seu desenvolvimento, o médium exercitaria várias funções dentro dos trabalhos de caridade. A nomenclatura dos sete graus foi baseada na terminologia da língua Nheêngatú, da antiga raça dos índios Tupy. Assim ficaram classificados:


· 1º Grau: Bojámirins - Entidades dos médiuns Iniciantes (I)
· 2º Grau: Bojás - Entidades dos médiuns de Banco (B)
· 3º Grau: Bojáguassús - Entidades dos médiuns de Terreiro (T)
· 4º Grau: Abarémirins - Entidades dos Sub-Chefes de Terreiros (SCT)
· 5º Grau: Abarés - Entidades dos Chefes de Terreiros (CT)
· 6º Grau: Abaréguassús - Entidades dos Sub Comandantes Chefes de Terreiros (SCCT)
· 7º Grau: Morubixabas – Entidades dos Comandantes Chefes de Terreiros (CCT)


A liturgia aplicada nos terreiros também introduzia novos conceitos à fé umbandistas. Caboclo Mirim sintetizou o tradicional panteão africano em algumas linhas de trabalho sob a égide de Tupã, o Senhor da criação na cultura Tupi-Guarani. Os Orixás evocados nos trabalhos da Tenda Mirim eram: Oxalá, Oxossi (e Jurema), Ogum, Iemanjá, Oxum, Nanã, Iansã e Xangô. Sempre se evitando o sincretismo com os santos católicos, principalmente nas curimbas cantadas.

As manifestações mediúnicas davam-se sempre através dos Caboclos, Pretos-Velhos e as Ibeijadas (crianças), e não havia sequer uma saudação aos Exus e Pomba-Giras, muito menos uma Gira ou sessão própria para o trabalho destes. Certamente uma atitude que visava ratificar a ruptura da Umbanda com as populares “macumbas”. Para muitos, Benjamin Figueiredo parecia ignorar completamente a existência do “Povo da Rua”, bem como a extensão e a importância dos trabalhos próprios dessa linha. Benjamin parecia ignorar, perante os olhares menos atentos...

Realmente, nos tempos de Benjamin Figueiredo, as casas ligadas à Tenda Mirim não faziam Giras próprias de Exu e Pomba-Gira. Mas sua participação sempre foi fundamental na corrente astral da Casa.

Com um olhar mais apurado observava-se a presença do “Povo da Rua” auxiliando desde o desenvolvimento dos médiuns iniciantes bem como trabalhando pesado no descarrego de médiuns e consulentes. Mas sempre de uma forma extremamente discreta, fosse junto aos Caboclos e Pretos-Velhos, fosse junto à parte do corpo mediúnico deno minados “médiuns de banco”. Essa categoria de médiuns tinha como principal característica operar sempre sentado e de forma receptiva (ou passiva), em contraponto aos médiuns de terreiro incorporados com seus Caboclos, que ministravam o passe no consulente, de forma ativa. Os médiuns de banco se doavam fornecendo ectoplasma e também auxiliando na dispersão de energias maléficas e/ou miasmas, bem como na condução de almas sofredoras ou espíritos trevosos (“exunizados”).

Este era o trabalho fundamental das sessões de caridade sob a orientação de Caboclo Mirim.

Daí percebe-se que só com a segurança dos sempre alertas Exus e Pomba-Giras, em total sintonia e cooperação com as demais entidades presentes, se alcançava o pleno êxito em cada sessão.

Além das sessões de caridade, outro evento importante sob a direção de Caboclo Mirim eram as magníficas Giras mensais. Em seu enorme terreiro (20 x 50 metros), inaugurado em 1942, cerca de 2000 (dois mil!) médiuns da Tenda Mirim, suas filiais e Casas co-irmãs, confraternizavam com seus Caboclos e Pretos-Velhos em uma só poderosa vibração de amor aos Orixás e à Umbanda.

A partir dos anos 50, com um trabalho já bem consolidado na sua matriz no Rio de Janeiro, Caboclo Mirim responsabilizou vários médiuns a levar as Tendas de Umbanda ao longo de todo território nacional. A primeira casa descendente da Tenda Mirim foi criada em 30/06/1951, como filial, em Queimados, cidade de Nova Iguaçu. Depois desta, novas casas foram abertas em Austin, Realengo, Colégio, Jacarepaguá, Itaboraí e Petrópoli s. A primeira casa descendente do Caboclo Mirim, aberta fora do Rio de Janeiro foi na cidade de Assaí, no Paraná.

Até 1970, já tinham sido abertas 32 casas sob a orientação de Caboclo Mirim.


A UMBANDA FORA DA MARGINALIDADE

Nos primeiros anos da Umbanda, ainda no início do século XX, a repressão ao dito baixo espiritismo era bastante intensa. A Maçonaria, a Umbanda, o Espiritismo de Kardec e principalmente os cultos afro-brasileiros eram reprimidos com vigor. Pior ainda durante o período da ditadura Vargas, quando a polícia agia violentamente, com a justificativa de que a macumba tinha ligações com a subversão, servindo até para dar cobertura a grupos comunistas, segundo relatos da época. Uma lei datada de 1934 colocou todos esses grupos sob a jurisdição do Departamento de Tóxicos e Mistificações da Polícia do Rio de Janeiro, na seção especial de Costumes e Diversões, que lidava com problemas relacionados com álcool, drogas, jogo ilegal e prostituição. Praticar a Umbanda era então uma atividade marginal! (perdurou com tal classificação até a reorganização do Departamento de Polícia do Rio, em 1964)

Essa mesma lei de 1934 gerou uma situação dúbia: se o registro na polícia permitia aos terreiros a prática legal, concretamente, servia para facilitar a ação das autoridades, aumentando a possibilidade de intimidação e extorsão. Registrados ou não, os umbandistas e demais praticantes de cultos afro-brasileiros ficavam expostos à severa perseguição policial do Rio. Não era difícil ver a polícia invadir e fechar terreiros, confiscando objetos rituais, e muitas vezes prendendo os participantes. Benjamin Figueiredo, Zélio Fernandino de Moraes e muitos outros foram presos diversas vezes nesse período.

Mas havia um “modelo” que vinha conquistando seu espaço na sociedade brasileira: A Federação E spírita Brasileira (FEB), fundada desde 1º de janeiro de 1884. Nos anos 30, esta já conseguira se firmar como legítima representante do Espiritismo no Brasil, unificando, fortalecendo e tornando coesas as Casas espíritas.
O simbolismo que carrega o vocábulo “federação”, como idéia de unidade nacional, servia ao discurso da Era Vargas, que naqueles tempos já via com bons olhos a religião espírita, como mais uma fonte de pacificação e, principalmente, controle das massas pela elite “branca” da sociedade.

Tentando se livrar do estigma marginal dos feiticeiros, iniciou-se um claro movimento por uma auto-identificação dos umbandistas com o Kardecismo e com o alto espiritismo. O próprio termo espírita foi usado para esconder nomes e para disfarçar os praticantes da Umbanda de sua ascendência afro-brasileira, quase como uma nova forma de sincretismo, tal qual a máscara católica que as religiões afro-brasileiras se utilizar am nos tempos do cativeiro. Daí a denominação de tantas Casas umbandistas tradicionais: Tenda Espírita Mirim, Tenda Espírita Fraternidade da Luz, Tenda Espírita Estrela Guia da Umbanda, etc..

Os números de São Paulo, apresentados pelo professor de Sociologia da Religião Lísias Nogueira Negrão (livro Entre a Cruz e a Encruzilhada. São Paulo: Edusp, 1996), são um ótimo exemplo: de 1929 a 1944 o número de centros espíritas kardecistas registrados em cartórios representava 94% do total de unidades religiosas registradas, contra apenas 6% das casas declaradas de Umbanda. Alguns anos depois, no período de 1953 a 1959 (após a descriminalização), este número já havia se invertido, com 68% de casas de Umbanda contra 31% de casas kardecistas.

O movimento umbandista ganhava corpo e estruturava-se a fim de obter o status de religião brasileira. O exemplo da FEB deve ter parecido a melhor opção para as lideranças umbandista d aqueles tempos. Criar uma federação para negociar com o Estado a regulamentação da Umbanda, e conseqüentemente o fim da repressão ao culto, inserindo assim a Umbanda na estrutura do Estado pela via institucional foi o caminho escolhido. Em 1939 fundou-se a Federação Espírita de Umbanda, atual União Espírita de Umbanda do Brasil. Zélio de Moraes, Benjamin Figueiredo, Tancredo Pinto e outros se uniram em torno de um só ideal: tirar a Umbanda da marginalidade, organizando-a como uma religião coerente e hegemônica e assim obtendo sua legitimação social.

Esse grupo realizou então o Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umb anda em 1941, onde essas lideranças apresentaram suas teses sobre a religião. A corrente predominante trazia à sociedade uma Umbanda original e evoluída que existiria desde o oriente, de onde teria se espalhado para a Lemúria (um lendário continente perdido), e daí para a África, onde teria degenerado para o feiticismo, forma que teria chegado ao Brasil pelos escravos negros. Assim, a influência africana na Umbanda não era negada, mas olhada como uma corrupção da tradição religiosa original, na sua fase anterior de evolução.

A defesa da nova definição do termo Umbanda, reflete bem o pensamento dos intelectuais da religião, unidos naquele primeiro congresso. Ali surgiu, pela primeira vez, a expressão AUM-BANDHÃ do Sânscrito aume bhanda, termos que foram traduzidos como "o limitado no ilimitado", "Princípio Divino, luz radiante, fonte de vida eterna, evolução constante". Tal tese, apresentada pela Tenda Espírita Mirim, é até hoje aceita por diversas correntes umbandistas.

Alguns estudiosos apontam nessa primeira tentativa de consolidação da Umbanda forte tendência de desafricanização e embranquecimento da Umbanda, uma vez que os demais líderes das religiões Afro-Brasileiras foram excluídos desse encontro histórico. Alegam também que a dita “lavagem branca” da origem da Umbanda pode ser encontrada em denominações comuns à época, como umbanda pura, umbanda limpa, umbanda branca e umbanda da linha branca no sentido de "magia branca". Termos que contrastavam com magia negra e linha negra, associados com o mal.

Mas a verdadeira luta de Zélio de Moraes, Benjamin Figueiredo e seus contemporâneos era pela descriminalização da prática da Umbanda, o que viria a ser o maior feito daquele Primeiro Congresso. Em 1944, essas mesmas lideranças umbandistas apresentam ao então Presidente
Getúlio Vargas um documento entitulado "O Culto da Umbanda em Face da Lei", conseguindo que o governo brasileiro aprovasse a descriminalização da nossa querida religião.


PAPAS & CODIFICAÇÕES
Apesar de uma grande vitória, a descriminalização da Umbanda não foi suficiente para manter unidas as lideranças do movimento, juntas até então pela legitimação da religião. Por volta de 1950, essas mesmas lideranças passaram a se entrincheirar em torno de seus pontos-de-vista pessoais, cada qual defendido com ardor e paixão, abrindo-se assim um enorme fosso dentre as diversas correntes umbandistas. Diversas Federações são fundadas no Brasil (só no RJ foram novas seis!).



Com o fim da perseguição das autoridades públicas à Umbanda, a religião passou por um rápido período de crescimento. Estavam abertas as portas da Umbanda aos mais diversos grupos que ainda se encontravam marginalizados, da mesma forma que um dia esta se encontrara. Todos os terreiros, das mais variadas “linhas”, incluíram em seus nomes a palavra Umbanda como forma de fugir à repressão policial. Nesse momento, cresce a corrente que defende a influência da cultura africana sobre o culto umbandista, e ganha destaque um dos seus principais expoentes: Tancredo da Silva Pinto (1904-1979), considerado o org anizador do culto Omolokô no Brasil. (foto à esquerda)



Ainda em 1950, Tancredo rompe com a Federação Espírita de Umbanda e funda a Confederação Espírita Umbandista do Brasil. Bastante atuante, viaja por quase todo o país, fundando Federações no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, dentre outros, sempre com o objetivo de organizar e dar personalidade ao culto.

Inspirado pela tese do médico, etnólogo e professor Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), Tancredo defendeu com ardor sua visão da Umbanda, que via na pureza racial negra a legitimidade das práticas umbandistas. Tancredo Pinto lançou mais de 30 livros, e passaria 25 anos escrevendo uma coluna semanal no jornal “O Dia”, o que faria com que seus ideais tivessem grande ascendência sobre os setores mais humildes da Umbanda, chegando inclusive a receber o título de "Táta de Umbanda" ("Papa da Umbanda").

Como um dos maiores representantes da corrente umbandista que liderara o Primeiro Congresso de Umbanda, Benjamin Gonçalves Figueiredo, Presidente da Tenda Espírita Mirim (RJ), também sabia que aquele era o momento de levar a Umbanda pelo Brasil afora. Em 1951, a Tenda Mirim já iniciara seu processo de expansão, abrindo filiais em todo o estado do Rio.


Então, visando a expansão em nível nacional, Benjamin Figueiredo, inspirado por seu mentor Caboclo Mirim, convoca diversos dirigentes umbandistas a fim de se unirem em torno de um ideal maior: a codificação da Umbanda. Juntas essas Casas umbandistas fundam, em 03 de outubro de 1952, no Rio de Janeiro, o Primado de Umbanda.

foto: Primado de Umbanda no Maracãnazinho – 1965 (Festa de IV Centenário da cidade do Rio)


Idealizado como uma instituição federativa, o Primado visava o fortalecimento da Umbanda e a maior união e entendimento entre seus responsáveis e adeptos, procurando estabelecer, o quanto possível, maior uniformidade nos trabalhos espirituais e práticas do ritual. Destacando-se pela organização, disciplina e seriedade, e sob a condução de Benjamin, eleito primeiro Primaz, o Primado de Umbanda cresceu rapidamente, contando com dezenas de Casas filiadas em poucos anos.



O Primado ainda congregaria outros segmentos umbandistas e apoiaria a organização de um novo Congresso de Umbanda. Neste segundo Congresso, realizado em 1961 sob a presidência do Sr. Henrique Landi Junior, novamente debateu-se a codificação da religião e aprovou-se o Hino da Umbanda, de autoria de J. M. Alves.
Ainda haveria um 3º Congresso, efetivamente realizado em 1973.


Templo de Oxossi (RJ) - 1970
Benjamin Figueiredo ainda incentivou a criação do Colegiado Espiritualista do Cruzeiro do Sul, do Círculo de Escritores e Jornalistas de Umbanda, e seria o principal fundador da Escola Superior Iniciática de Umbanda do Brasil, da qual foi Conselheiro Nato.

Também nos anos 50/60, muitos autores apresentam obras literárias sobre a Umbanda. Além de Benjamin Figueiredo (Okê Caboclo – 1962) e Tancredo da Silva Pinto, também há livros lançados por Aluízio Fontenele, Byron Torres, Decelso, Emanuel Zespo Jota Alves de Oliveira, João Varela, Lourenço Braga, Oliveira Magno, Samuel Ponze, Silvio Pereira Maciel, dentre outros.

Em 1956 surge um novo personagem que merece destaque: é W.W. da Matta e Silva (1917-1988, foto) com o seu livro "Umbanda de Todos Nós". Sua pesquisa apresenta a religião como ciência e filosofia, em uma linha próxima ao que já apresentara o Primado de Umbanda e Oliveira Magno em seu livro "A Umbanda Esotérica e Iniciática” (1950).

Com grande repercussão no meio umbandista, o livro também é visto como mais uma tentativa de codificação da religião. Matta e Silva ainda lançaria mais oito livros, apresentando sua forma particular de se praticar Umbanda, que viria a ser conhecida como “Umbanda Esotérica”, criando assim mais uma segmentação dentro da religião.

Sempre lutando contra o uso comercial da Umbanda, contra as práticas que alimentam o “baixo espiritismo” e, principalmente, contra a ignorância do corpo mediúnico, Matta e Silva (Mestre Yapaca ni) iniciou em seu terreiro centenas de médiuns na sua corrente astral do “Aumbhandan”, e preparou muitos outros para liderarem agrupamentos religiosos que hoje se distribuem por todo território nacional.

Talvez o mais famosos deles, tido como seu sucessor, seja o Sr. Francisco Rivas Neto (Mestre Arhapiagha), Presidente da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino (O.I.C.D.) e Reitor Geral da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU).

O antagonismo dessas principais correntes gera debates que afetam os umbandistas até os dias de hoje. E tal qual naqueles tempos, hoje ainda observa-se que cada grupo ou organização implanta sua própria “codificação”, tentando influenciar o movimento umbandista com sua visão e seus ideais, através da mídia escrita, TV ou Internet.

Mas vale ressaltar que não há verdade absoluta, Centro ou Tenda melhor ou pior, mais “evoluída” do que qualquer outra. Será sempre seguindo princípios básicos de amor e, principalmente, respeito ao próximo, que conseguirá o umbandista ver que, abaixo das pequenas diferenças de culto exterior, somos todos IRMÃOS DE FÉ.


O LEGADO DE BENJAMIN
A Umbanda, quase 100 anos após a famosa apresentação pública de Caboclo das Sete Encruzilhadas, ainda é uma jovem religião em busca de sua afirmação. E merecem o nosso respeito e admiração todos os incansáveis guerreiros que abriram as primeiras trilhas, que seguiram em caminhos nunca antes percorridos e que criaram as bases para que, um século depois, pudessem os umbandistas ter orgulho dos nossos terreiros e de nossos Guias. Essa foi a grande luta de Benjamin Gonçalves Figueiredo.

“A Umbanda é coisa séria para gente séria". Assim, Caboclo Mirim anunciava que era

Benjamin Figueiredo soube estar à altura de uma obra maior, orientada pela legítima cúpula espiritual do movimento umbandista. Sabia que, em seu tempo, seria conhecido como um radical, pela intransigência que precisaria defender uma Umbanda livre dos grilhões de feiticeiros e exploradores da fé, das supertições que poluíam as mentes mais imaturas de alguns fiéis, e principalmente da marginalidade que a sociedade relegava nossa religião.

Realmente não foi um grande escritor, mas seu exemplo seria seu maior diferencial. Como médium dedicado de Caboclo Mirim e Pai Roberto, consolidou a Tenda Mirim e o Primado de Umbanda como verdadeiras Escolas Iniciáticas, provando que a Umbanda tinha vida própria fora da cultura afro-brasileira.

Alguns o acusaram de “embranquecer” a Umbanda, mas Benjamin nunca aceitou o ser humano, e suas manifestações sócio-culturais, como algo estático. Acreditava que tudo evolui, cresce e se desenvolve. É a “Escola da Vida” trazida por Caboclo Mirim! Claro que respeitava a cultura negra que tanto enriquece nossa religião, mas achava dispensável ao culto alguns dos rituais africanos mais r� �sticos. Para ele, Umbanda nunca seria lugar para matanças de animais, “fundangas”, raspagens de cabeça, camarinhas, “recolhimentos” ou “obrigações” aos Orixás.

O “radicalismo” de Zélio de Moraes, Benjamin Figueiredo e seus companheiros, permitiu que não predominasse na Umbanda apenas a matriz africana e a avassaladora cultura Yorubá, da mesma forma que se observa sua forte presença nos Cultos de Nação. Talvez, sem sua contribuição, a Umbanda hoje seria apenas uma forma “light” do Candomblé. Mas, respeitando-se como religiões irmãs, cada qual vem aprendendo a consolidar sua própria visão do universo, com seus próprios fundamentos, rituais e, principalmente, sacerdotes.

Assim, a Umbanda pôde consolidar-se como religião universalista, com espaço para diversas influências que enriqueceram e fortaleceram os umbandistas, permitindo que observemos em nossos terreiros a presença da matriz católica, da m atriz espírita, da matriz orientalista, etc.
 chegado um novo tempo aos verdadeiros umbandistas, era hora de abandonar os excessos litúrgicos, e de cada um despertar para sua jornada de crescimento íntimo, sob a luz dos Guias de Aruanda.


A conclusão que chegamos é que será na busca do equilíbrio, do “Caminho do Meio”, que a Umbanda crescerá. Os gregos antigos já nos ensinavam que a temperança, a prudência e a modéstia, aliadas à moderação e ao bom senso, compõe as condições indispensáveis a se alcançar um estado de espírito são e calmo (Sophrosyne).
Mas trilhar pelo meio não significa ignorar a energia dos extremos, com sua força e sua vitalidade. O melhor caminho será encontrado na polarização correta dessas forças, não na sua anulação. No caminho do meio todos os extremos se encontram, e nele todos os extremos se apóiam e se fortalecem.


Que os filhos da nossa querida Umbanda reconheçam o conjunto das forças presentes em sua religião, e possam encontrar em seu equilíbrio a verdadeira Luz de Aruanda!!!



SERGIO NAVARRO TEIXEIRAFraternidade Umbandista LUZ DE ARUANDA
Barra Mansa/RJ
Março de 2008


Bibliografia:

· BARRETO, Paulo (“João do Rio”). As Religiões no Rio - Editora Nova Aguilar (1976)
· BROWN, Diana. Uma história da Umbanda no Rio (Cadernos do ISER. Umbanda & Política. Volume 18) - Editora Marco Zero.
· Federação Espírita de Umbanda. Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda. Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, reunidos no Rio de Janeiro, de 19 a 26 de Outubro de 1941. Jornal do Commércio - RJ (1942)
· FIGUEIREDO, Benjamin Gonçalves. Okê Caboclo - Editora ECO (1962)
· OLIVEIRA, Jota Alves de. Magias da Umbanda – Editora ECO (1970)
· DECELSO. Umbanda de Caboclos – Editora ECO (1972)
· Primado de Umbanda - Ordenações do Primado de Umbanda
· NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a Cruz e a Encruzilhada – Edusp (1996)
· TRINDADE, Diamantino Fernandes. Umbanda e sua História - Ícone Editora
·JENSEN, Tina Gudrun. Discursos sobre as religiões afro-brasileiras - Da desafricanização para a reafricanização - (traduzido por Maria Filomena Mecabô)
· PRANDI, Reginaldo. O Brasil com Axé: Candomblé e Umbanda no Mercado Religioso (2004)
· Revista Espiritual de Umbanda nº 06 – Editora Escala (2004)
· OLIVEIRA, José Henrique M. As estratégias de legitimação da Umbanda durante o Estado Novo: institucionalização e evolucionismo. (23/05/2006.)
· SÁ JUNIOR, Mario Teixeira de. A invenção da alva nação umbandista (Tese de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduaç� �o em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus Dourados (2004)
· ISAIA, Artur César. O Elogio ao Progresso na obra dos Intelectuais de Umbanda – artigo da UFSC


· Diversos sites da Internet, dentre eles destacamos:



- Tenda Espírita Mirim (http://www.tendaespiritamirim.org.br/)


- Tenda Espírita Fraternidade da Luz (http://www.tefl.com.br/)


- A Umbanda na visão de um eterno aprendiz (http://www.marciobamberg.com.br/umbanda)


- Umbanda – A Proto-Síntese Cósmica (http://www.umbanda.org/)


- Círculo dos Irmãos Espiritualista Fé e Caridade (CIEFEC)









CABOCLO MIRIM






Os caboclos mirins são espíritos de índios ( ou não!) que desencarnaram ainda crianças, embora haja exceções. Alguns trabalham nas Linhas dos Caboclos, outros preferem vir sob a regência da Linha das Crianças, seja de direita ou esquerda.

Esses Espíritos, quando se manifestam em terra, são sempre requisitados para a cura, pois são crianças muito sábias, não gostam tanto de brincar e comer doces, como as outras crianças, o que torna-os um pouco diferentes das outras crianças.

Toda e qualquer Espírito desta Linha é grande detentor de grandes encargos espirituais, apesar da aparência astral de crianças. São grandes sábios e estão sempre prontos para ajudar.

Sua vibração é mais parecida com a dos Caboclos e gostam de estar na companhia deles.

Alguns Caboclos Mirins vêm na vibração do Orixá Oxóssi, mas muitos fazem entrecruzamento com outros Orixás, principalmente o Orixá Xangô.

Alguns nomes conhecidos de Caboclos e Caboclas Mirins: Tupãzinho, Tupãnzinha, Tupizinho, Tupizinha, Iarary, Iariri, Tupiacanga, Iararinha/Iarinha, entre outros diminutivos dos nomes dos Caboclos adultos, como; Toquinho, Junquinho, Pedrinha Branca, Jureminha, etc...


( texto ditado pelo meu Caboclo Mirim, Toquinho )








PRECEDENTES:



O primeiro médium a manifestar esta energia foi Benjamim Figueiredo no terreiro de Zélio Fernandino de Moraes, sob o comando do próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas.

Veja o texto a seguir:

Em 1920 no Rio de Janeiro, o médium kardecista Benjamin Gonçalves Figueiredo (26/12/1902 - 03/12/1986), teve a primeira manifestação de uma Entidade que identificou-se como Caboclo Mirim, que vinha com a finalidade de criar um novo núcleo de crescimento para a Umbanda. Assim, toda a família do médium foi chamada a participar.

Eram ao todo 12 pessoas que deram início em 1924 ao que foi chamada a Seara de Mirim. Após 18 anos, em 1942, foi fundada a Tenda Espírita Mirim, à rua Sotero dos Reis, 101, Praça da Bandeira; mudou - se, posteriormente, para a rua São Pedro e depois para a Rua Ceará, hoje Avenida Marechal Rondon, 597

A "Escola da Vida", fundada pelo Caboclo Mirim, possui uma ritualística diferente das conhecidas.

De acordo com os seus ensinamentos, há iniciados do Primeiro ao Sétimo grau de iniciação. Estes graus são atribuídos aos médiuns e não às Entidades. Estes graus estão classificados em tupi-guarani, desta forma: 


Primeiro Grau - Bojá-mirim : Médiuns iniciantes


Estes médiuns estão em desenvolvimento e devem procurar ensinamentos com os médiuns dos demais graus superiores e se aperfeiçoarem moralmente, evitando vícios de todas as espécies e desequilíbrios de qualquer ordem.

Devem, ainda, estar firmes em seus propósitos de desenvolvimento, evitando que sugestões de espíritos inferiores cheguem às suas mentes em forma de sensação, pois os espíritos inferiores não gostam de iniciantes que se propõe a um desenvolvimento mediúnico sério para futuramente desfazerem os trabalhos de magia negra que estes espíritos inferiores teriam feito.


Segundo Grau - Bojá : Médiuns de Banco

São os responsáveis pelo descarrego de energias negativas e pela doação de fluido vital para os espíritos necessitados que passarem pelo seu corpo durante uma sessão de caridade espiritual.

Estes médiuns, assim como os iniciantes, devem estar atentos aos pensamentos de desestímulo em relação à continuidade de seu caminho na Umbanda, evitando assim que espíritos inferiores atrapalhem sua caminhada.

Devem ser assíduos, estando na sua tenda sempre que possível para prestarem sua caridade.


Terceiro Grau - Bojáguaçu: Médiuns de Terreiro


São médiuns passistas. Este grau é uma grande mudança em relação às responsabilidades do médium no Terreiro, pois o médium deve saber aplicar um passe, a forma ideal de aplicá-lo, e os devidos resguardos antes da sessão.


Quarto Grau - Abaré-mirim: Sub-chefes de Terreiro


São médiuns que, além de já estarem firmes no passe e com conhecimento suficiente sobre a dinâmica das sessões e passarão a tomar conta do terreiro, orientando os médiuns de graus anteriores.


Quinto Grau - Abaré : Chefes de Terreiro
São médiuns que devem orientar os médiuns de graus anteriores sobre como proceder nos passes. Além disso, é neste grau que se inicia a trajetória do médium para consultas espirituais.

Já dizia o Caboclo Mirim que dar consulta é perigoso! Não se pode atuar no livre-arbítrio dos outros. Só dê consulta se for solicitado!

Adicionalmente, médiuns deste grau já devem ter responsabilidades com os demais médiuns de graus anteriores durante as sessões e giras, orientando-os sempre que necessário.


Sexto Grau - Abareguaçu: Sub-comandante chefe de terreiro


São médiuns que estão se preparando para Escola de Comando. Devem focar em obter experiência da ritualística dos trabalhos espirituais e se preparar para aprender a comandar sessões.


Sétimo Grau - Morubixaba: Comandante chefe de terreiro


São os médiuns comandantes de terreiro. São os dirigentes de sessão e devem orientar todos os demais graus.





- SALVE, CABOCLO MIRIM!

- Que Oxalá ilumine a nós todos, sempre!


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16/11/2010

CABOCLOS






A dança dos caboclos : uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros


I


Aprendemos na escola que a população brasileira foi formada pelos europeus colonizadores, que se mesclaram com os indígenas que aqui já viviam antes da chegada dos portugueses e com os africanos trazidos pelo escravismo. Somos ao mesmo tempo brancos, índios e negros. São essas as nossas raízes, às quais mais tarde vieram se juntar povos do Oriente Próximo, do Extremo Oriente e de outras partes do mundo. Somos um povo mestiço, com uma cultura mestiça, mas o assumir dessa identidade só veio a ganhar alguma legitimidade por volta dos anos 20 do século passado, época, inclusive, em que se formaram duas importantes marcas dessa ascendência: o samba, no universo da música popular brasileira, e a umbanda, síntese da diversidade religiosa afro-brasileira.

Negros e índios: impossível pensar o Brasil sem essas duas origens. Suas marcas estão na constituição física do brasileiro e também na sua cultura, sobressaindo-se a música e a religião, mas incluindo também dimensões como língua, culinária, estética, valores sociais e estruturas mentais. 

Mas é nas religiões afro-brasileiras que estão registradas a presença decisiva e a diversidade da contribuição negra. 

Durante quase quatro séculos, negros africanos foram caçados e levados ao Brasil para trabalhar como escravos. Separados para sempre de suas famílias, de seu povo, do seu solo (de fato apenas alguns poucos conseguiram retornar depois da abolição da escravidão), os africanos foram aos poucos se adaptando a uma nova língua, novos costumes, novo país. Foram se misturando com os brancos europeus colonizadores e com os índios da terra, formando, como disse, a população brasileira e sua cultura, como também aconteceu em outros países da América. 

Muitos foram os povos africanos representados na formação brasileira, os quais podem ser classificados em dois grandes grupos lingüísticos: os sudaneses e os bantos (Prandi, 2000).

São chamados sudaneses os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda, mais o norte da Tanzânia. Seu subgrupo denominado sudanês central é formado por diversas etnias que abasteceram de escravos o Brasil, sobretudo os povos localizados na região do Golfo da Guiné, povos que no Brasil conhecemos pelos nomes genéricos de nagôs ou iorubás (mas que compreendem vários grupos de língua e cultura iorubá de diferentes cidades e regiões), os fons ou jejes (que congregam os daomenaos e os mahis, entre outros), os haussás, famosos, mesmo na Bahia, por sua civilização islamizada, e outros grupos que tiveram importância menor ou nenhuma na formação de nossa cultura, como os grúncis, tapas, mandingos, fantis, achantis e outros não significativos para nossa história. 

Para enfatizar a especificidade de cada uma dessas culturas ou subculturas, talvez seja suficiente lembrar que duas das cidades iorubás ocupam papel especial na memória da cultura religiosa que se reproduziu no Brasil: Oió, a cidade de Xangô, e Queto, a cidade de Oxóssi, além de Abeocutá, centro de culto a Iemanjá, e Ilexá, a capital da sub-etnia ijexá, de onde são provenientes os cultos a Oxum e Logum Edé.

O candomblé jeje-nagô da Bahia, o batuque do Rio Grande do Sul, o tambor-de-mina do Maranhão e o xangô de Pernambuco são heranças brasileiras desses povos.

Os bantos são povos da África Meridional que falam entre setecentas e duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, até o cabo da Boa Esperança, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico. Os bantos trazidos para o Brasil eram falantes de várias dessas línguas, sobressaindo-se, principalmente, os de língua quicongo, falada no Congo, em Cabinda e em Angola; o quimbundo, falado em Angola acima do rio Cuanza e ao redor de Luanda; e o umbundo, falada em Angola, abaixo do rio Cuanza e na região de Benguela.

A importância dos grupos falantes dessas três línguas na formação do Brasil pode ser aferida pela quantidade de termos que a língua portuguesa aqui falada deles recebeu (Castro, 2001), além de outras contribuições nada desprezíveis, como a própria música popular brasileira.

Na esfera das religiões afro-brasileiras, a participação dos bantos foi fundamental, pois é da religiosidade desses povos ou sob sua influência decisiva que se formou no Brasil o candomblé de caboclo baiano e outras variantes regionais de culto ao antepassado indígena, como o catimbó de Pernambuco e da Paraíba, que mais tarde vieram a se reunir na formação da umbanda e que também constituíram uma espécie de contrapartida brasileira ao panteão das divindades africanas cultuadas nos candomblé, no xangô, no batuque e no tambor-de-mina.


II


As diferentes etnias africanas chegaram ao Brasil em distintos momentos, predominando os bantos até o século XVIII e depois os sudaneses, sempre ao sabor da demanda por mão-de-obra escrava que variava de região para região, de acordo com os diferentes ciclos econômicos de nossa história, e do que se passava na África em termos do domínio colonial europeu e das próprias guerras inter-tribais exploradas, evidentemente, pelas potências coloniais envolvidas no tráfico de escravos. 

Nas últimas décadas do regime escravista, os sudaneses iorubás eram preponderantes na população negra de Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma espécie de língua geral para todos os africanos ali residentes, inclusive bantos (Rodrigues, 1976).

Nesse período, a população negra, formada de escravos, negros libertos e seus descendentes, conheceu melhores possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento e maior capacidade de organização. O cativo já não estava preso ao domicílio do senhor, trabalhava para clientes como escravo de ganho, e não morava mais nas senzalas isoladas nas grandes plantações do interior, mas se agregava em residências coletivas concentradas em bairros urbanos próximos de seu mercado de trabalho. Foi quando se criou no Brasil, num momento em que tradições e línguas estavam vivas em razão de chegada recente, o que talvez seja a reconstituição cultural mais bem acabada do negro no Brasil, capaz de preservar-se até os dias de hoje: a religião afro-brasileira. 

Assim, em diversas cidades brasileiras da segunda metade do século XIX, surgiram grupos organizados que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África. Nascia a religião afro-brasileira chamada candomblé, primeiro na Bahia e depois pelo país afora, tendo também recebido, como já disse, nomes locais, como xangô em Pernambuco, tambor-de-mina no Maranhão, batuque no Rio Grande do Sul. Os principais criadores dessas religiões foram negros das nações iorubás ou nagôs, especialmente os provenientes de Oió, Lagos, Queto, Ijexá, Abeocutá e Iquiti, e os das nações fons ou jejes, sobretudo os mahis e os daomeanos. Floresceram na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro.


III


Simultaneamente, por iniciativa de negros bantos, surgiu na Bahia uma religião equivalente às dos jejes e nagôs, conhecida pelos nomes de candomblé angola e candomblé congo.

A modalidade banta lembra muito mais uma transposição para as línguas e ritmos bantos das religiões sudanesas do que propriamente cultos bantos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de divindades e seus mitos como no que respeita às cerimônias e aos procedimentos iniciáticos, mas tem características que fizeram dela uma contribuição essencial na formação do quadro religioso afro-brasileiro: o culto ao caboclo. 

Ora, os bantos tinham chegado muito tempo antes dos iorubás e dos fons, estavam bastante adaptados aos costumes predominantes no país, falavam a língua portuguesa e tinham assimilado o catolicismo. 

Mas, num país de escravos, ainda eram considerados africanos, como todos os negros e mestiços, e seu lugar na sociedade, por isso, era à margem; sua identidade ainda era africana. Em outras palavras, eram contraditoriamente brasileiros e africanos ao mesmo tempo. 

Como africanos meridionais que eram, suas remanescentes tradições os orientavam no sentido de cultuar os antepassados, antepassados que na África banta estavam fixados na terra, de modo que cada aldeia tinha seus próprios ancestrais como parte integrante daquele território geográfico e que usualmente não se deslocavam para outros lugares. 

Como brasileiros que também já eram, tinham consciência de uma ancestralidade genuinamente brasileira, o índio. 

Da necessidade de cultuar o ancestral e do sentimento de que havia uma ancestralidade territorial própria do novo solo que habitavam, os bantos e seus descendentes criaram o candomblé de caboclo, que celebrava espíritos dos índios ancestrais (Santos, 1995; Prandi, Vallado e Souza, 2001).

Apesar de os bantos estarem no Brasil havia muito mais tempo, indícios históricos nos levam a crer que é tardia a formação de um candomblé banto de culto a divindades africanas, o qual teria surgido apenas quando os candomblés de orixá e de voduns já estavam organizados ou se organizando. Embora todos os negros e mestiços fossem considerados como iguais, na medida em que ocupavam na sociedade branca posição oficialmente subalterna e marginalizada, as identidades étnicas estavam preservadas nas irmandades religiosas católicas, que reuniam em igrejas e associações específicas os diferentes grupos africanos étnico-linguístico. Pois quando nagôs e jejes reunidos nas irmandades católicas (Silveira, 2000) refizeram no Brasil suas religiões africanas de origem, os bantos os acompanham.

Pelas razões que já apontei, sua religião de inquices (divindades ancestrais bantas) teve uma reconstituição muito mais problemática, obrigando-se a empréstimos sudaneses nos planos do panteão, dos ritos e dos mitos.

No campo religioso foi, portanto, dupla a contribuição banta originada na Bahia: o candomblé de caboclo e o candomblé de inquices denominado angola e congo — duas modalidades que se casariam num único complexo afro-índio-brasileiro, povoando, a partir da década de 1960, praticamente o Brasil todo de terreiros angola-congo-caboclo.

Não foi, entretanto, só na Bahia que surgiram os cultos das entidades caboclas. Onde quer que tenham se formados grupos religiosos organizados em torno de divindades africanas, podiam também ser reconhecidos agrupamentos locais que buscavam refúgio na adoração de espíritos de humanos. Esses cultos de espíritos ganharam, evidentemente, feições locais dependentes de tradições míticas ali enraizadas, podendo estas serem mais acentuadamente indígenas, de caráter mais marcado pelo universo cultural da escravidão, ou mesmo mais próximas da mitologia ibérica transplantada para o Brasil colonial. 

Em cada lugar surgiram cultos a espíritos de índios, de negros e de brancos. Essa tendência foi muito reforçada pela chegada ao Brasil, no finalzinho do século XIX, de uma religião européia de imediata e larga aceitação no Brasil: o Espiritismo kardecista.

Em cada uma dessas denominações religiosas caboclas, a concepção dos espíritos cultuados também variou bastante.

Na Bahia, por exemplo, o caboclo é o índio que viveu num tempo mítico anterior à chegada do homem branco, mas um índio que conheceu a religião católica e se afeiçoou a Jesus, a Maria e a outros santos; um índio que viveu e morreu neste país — este é o personagem principal do candomblé de caboclo, que, com o tempo agregou outros tipos sociais, sobretudo os mestiços boiadeiros do sertão. 

A proximidade com religiões indígenas é atestada pela presença ritual do tabaco, tabaco que, antes da chegada das multinacionais do fumo, foi uma das grandes riquezas da Bahia, antigo centro nacional da indústria fumageira e importante produtor de charutos. O charuto é até hoje um símbolo forte dos espíritos caboclos.

Na Paraíba e em Pernambuco, os espíritos, que ali se chamam mestres podiam ser espíritos de índios, de brasileiros mestiços ou brancos, entre os quais se destacavam antigos líderes da própria religião já falecidos, os mestres, designação esta que acabou prevalecendo para designar todo e qualquer espírito desencarnado.

Essas manifestações também herdaram das religiões indígenas o uso do tabaco, ali fumado com o cachimbo, usado nos ritos curativos, além da ingestão cerimonial de uma beberagem mágica preparada com a planta da jurema.

Catimbó e jurema: os nomes pelos quais essa modalidade religiosa é conhecida resultam desses dois elementos. Catimbó é provavelmente uma deturpação da palavra cachimbo, e jurema, o nome da planta e da sua beberagem sagrada (Bastide, 2001; Brandão e Rios, 2001).

Mais ao norte, no Maranhão e no Pará, os espíritos cultuados são personagens lendários que um dia teriam vivido na Terra mas que, por alguma razão, não conheceram a morte, tendo passado da vida terrena ao plano espiritual por meio de algum encantamento: são os encantados (Ferretti, 1993 e 2001).

Essa tradição de encantamento estava e está presente na cultura ocidental (lembremo-nos nas histórias de fadas, com tantos príncipes e princesas encantados), bem como na mitologia indígena.

Os encantados são de muitas origens: índios, africanos, mestiços, portugueses, turcos, ciganos etc. 

Lendas portuguesas de encantaria, como a história do rei português dom Sebastião, que desapareceu com sua caravela na batalha de Alcacequibir em 1578, em luta contra os mouros, e que os portugueses acreditavam que um dia voltaria, estão vivas nessa religião. 

A luta dos cristãos contra os mouros, tão cara ao imaginário português, se transformou em mitologia religiosa, mas os turcos da encantaria são agora aliados, não inimigos.

Elementos da encantaria amazônica, como as histórias de botos que viram gente e vice-versa; lendas de pássaros fantásticos e peixes miraculosos, tudo isso foi compondo, ao longo do tempo, a religião que se convencionou chamar encantaria ou encantaria do tambor-de-mina, no Maranhão (Prandi e Souza, 2001), e sua vertente paraense (Leacock e Leacock, 1975).

Todas essas formas de cultos nascidas no Brasil, que podemos genericamente chamar de religião dos encantados ou religião cabocla, são religiões de transe. 

As entidades cultuadas se manifestam em transe no corpo de devotos devidamente preparados para isso, tal como ocorre nos cultos dos orixás, voduns e inquices. Como também se dá no conjunto todo das religiões afro-brasileiras, todas desenvolvem ampla atividade mágico-curativa e de aconselhamento oracular, todas elas são dançantes e sua música é acompanhada de tambores e ritmos de origem africana, embora em modalidades como o catimbó a dança tenha sido adotada mais tarde, nesta provavelmente por influência do xangô.

Diferentemente das religiões de orixás, voduns e inquices, as religiões caboclas são, contudo, cantadas em português, o que confirma seu caráter brasileiro e mestiço. Em nenhum momento fica escondida a mistura básica que compõe cada uma delas: América, África e Europa, índio, negro e branco, são estas as fontes indispensáveis da sua constituição. E todas elas são sincréticas com o catolicismo, resultado de um momento histórico, o de sua formação no século XIX, em que ninguém podia ser brasileiro se não fosse igualmente católico.

O catolicismo era a religião hegemônica, oficial e a única tolerada em solo brasileiro.

Essas três manifestações afro-índio-brasileiras de culto dos ancestrais da terra — candomblé de caboclo, catimbó-jurema e encantaria de mina — não foram evidentemente as únicas. Muitas outras formas locais puderam ser registradas nas diferentes partes do Brasil, tendo sido algumas delas absorvidas por alguma das formas que lograram melhor se expandir e se perpetuar, ou pela umbanda que se formou mais tarde (Senna, 2001). 

Outras tantas, embora se mantendo com certa autonomia, ajudaram a compor cosmovisões e panteões de religiões irmãs, como no caso da contribuição da pajelança amazônica (Maués e Macambira, 2001) à encantaria de mina. 

Por todo lado, diferentes expressões locais da religiosidade cabocla se encontraram, se influenciaram, se fundiram e se espalharam.

Não se pode deixar de notar que essas práticas religiosas acabaram por se justapor aos cultos das divindades africanas, estabelecendo com eles relações de simbiose. 

O candomblé de caboclo acabou se tornando tributário de candomblé angola e congo; a jurema passou a compor com o xangô, sobretudo o de nação xambá; e a encantaria associou-se ao tambor-de-mina nagô. 

Os grupos religiosos de culto a orixás e voduns mais comprometidos com raízes sudanesas se mantiveram, pelo menos até um determinado momento e em algumas casas de tradição mais ortodoxa, alheios ao culto caboclo. 

Era mesmo de se esperar que assim fosse, pois o culto caboclo é, desde sua origem, de natureza mestiça.


IV


Por muito tempo tanto os candomblés de divindades africanas e os cultos que giravam em torno de espíritos brasileiros e europeus (isto é, o candomblé de caboclo, a encantaria de mina, o catimbó ou jurema dos mestres) permaneceram mais ou menos confinados a seus locais de origem. 

Mas logo no início de sua constituição, com o fim da escravidão, muitos negros haviam migrado da Bahia para o Rio de Janeiro, levando consigo suas religiões de orixás, voduns e inquices e também a de caboclos, de modo que na então capital do país reproduziu-se um vigoroso candomblé de origem baiana, que se misturou com formas de religiosidade negra locais, todas eivadas de sincretismos católicos, e com o espiritismo kardecista, originando-se a chamada Macumba carioca e pouco mais tarde, nos anos 20 e 30 do século passado, a umbanda. A umbanda e o samba, símbolo maior da nacionalidade mestiça, constituíram-se mais ou menos na mesma época, ambos frutos do mesmo processo, que caracterizou aqueles anos, de valorização da mestiçagem e de construção de uma identidade mestiça para o Brasil que então se pretendia projetar como país moderno, grande e homogêneo, e por isso mesmo mestiço, o "Brasil Mestiço, onde a música samba ocupava lugar de destaque como elemento definidor da nacionalidade", nas palavras de Hermano Vianna (1995: 20).

A migração para o Rio de Janeiro, que a partir dos anos 50 e 60 seria deslocada para São Paulo, com a nova industrialização, não se resumiu, evidentemente, aos baianos, embora inicialmente eles tenham sido em maior número. 

Chegava ao Rio gente de todo o Nordeste e também do Norte, cada um trazendo seus costumes, suas crenças, deuses e espíritos. 

Cultos de mestres e encantados acabaram desaguando fartamente nos terreiros dos caboclos e dos pretos-velhos da chamada macumba carioca, que ia gestando a umbanda numa grande síntese, ali na capital federal da república recém-nascida para onde convergiam as mais diversas manifestações culturais de âmbito regional, e onde essas diferenças regionais e locais foram se apagando para se formar um todo único capaz de representar simbolicamente o Brasil como um todo, como uma única nação, envolvendo todos os seus matizes raciais e as diversas fontes culturais que animavam a construção da brasilidade. 

Mais tarde, no final anos 60 e começo dos 70, iniciou-se junto às classes médias do Sudeste a recuperação das raízes de nossa civilização, reflexo de um movimento cultural muito mais amplo, denominado Contracultura.

Nos Estados Unidos e na Europa, e daí para o Brasil, esse movimento questionava as verdades da civilização ocidental, o conhecimento universitário tradicional, a superioridade dos padrões burgueses vigentes, os valores estéticos europeus, voltando-se para as culturas tradicionais, sobretudo as do Oriente, e buscando novos sentidos nas velhas subjetividades, em esquecidos valores e escondidas formas de expressão. 

No Brasil verificou-se um grande retorno à Bahia, com a redescoberta de seus ritmos, seus sabores culinários e toda a cultura dos candomblés.

As artes brasileiras em geral (música, cinema, teatro, dança, literatura, artes plásticas) ganharam novas referências, o turismo das classes médias do Sudeste elegeu novo fluxo em direção a Salvador e demais pontos do Nordeste. 

O candomblé se esparramou muito rapidamente por todo o país, deixando de ser um religião exclusiva de negros, a música baiana de inspiração negra fez-se consumo nacional, a comida baiana, nada mais que comida votiva dos terreiros, foi para todas a mesas, e assim por diante.

Mas o candomblé somente se disseminou pelo Brasil muito tempo depois da difusão da umbanda.

Primeiro o Brasil como um todo conheceu e se familiarizou com o culto dos caboclos e outras entidades "humanas" da umbanda, em que os orixás ocupavam uma posição simbólica importante porém menos decisiva no dia-a-dia da religião. 

Somente mais tarde o candomblé introduziu os brasileiros de todos os lugares numa religião propriamente de deuses africanos. Mesmo assim, os caboclos nunca perderam o lugar que já tinham conquistado.

Unidade e diversidade foram preechendo a tessitura nacional da cultura afro-brasileira de âmbito religioso e profano.

Em todos os lugares onde se constituiu o culto ao caboclo, alguns tipos sociais regionais importantes foram incorporados. 

Foi assim que surgiu, por exemplo, para compor com o tradicional e destemido índio da terra e com o sábio e paciente escravo preto-velho, o caboclo boiadeiro. 

O boiadeiro é a representação mítica do sertanejo nordestino, o mestiço valente do sertão. É o bravo homem acostumado a lidar com o gado e enfrentar as agruras da seca, símbolo de resistência e determinação. 

Outro tipo social elevado à categoria de entidade de culto foi o marinheiro. Num país em que as viagens de longa distância, sobretudo entre as capitais da costa, eram feitas por navegação de cabotagem, sendo que todas as novidades eram trazidas pelos navios, o marinheiro era figura muito conhecida e de inegável valor. 

O marinheiro podia representar ideais de mobilidade e inovação, capacidade de adaptação a cenários múltiplos, amor pela aventura de descobrir novas cidades e outras gentes.

Cada tipo um estilo de vida, cada personagem um modelo de conduta. São exemplos de um vasto repertório de tipos populares brasileiros, emblemas de nossa origem plural, máscaras de nossa identidade mestiça. 

As entidades sobrenaturais da umbanda não são deuses distantes e inacessíveis, mas sim tipos populares como a gente, espíritos do homem comum numa diversidade que expressa a diversidade cultural do próprio país. 

Uma vez escrevi que a "umbanda não é só uma religião, ela é um palco do Brasil" (Prandi, 1991: 88). Não estava errado.


V


A aproximação com o kardecismo foi vital para a formação da umbanda em termos ideológicos (Negrão, 1996). 

Veio do espiritismo de Kardec a concepção de mundo que proporcionou a remodelação das bases éticas, ou aéticas, da religião afro-brasileira, fosse ela africana ou cabocla. 

Era o nascimento da umbanda, de feições brancas, porém mestiça, uma nova forma de organizar e unificar nacionalmente as tradições caboclas das religiões afro-brasileiras.

Surgida na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro cenário da modernização cultural brasileira e contexto de acelerada mudança e diversificação social, a umbanda foi ao mesmo templo plural e uniforme, uma espécie de linguagem comum num diversificado meio social urbano, integrando negros pobres iletrados e brancos escolarizados de classe média baixa. 

Sua capacidade de reunir em um só panteão entidades espirituais de diversas origens, a fazia uma representante da diversidade, ao mesmo tempo que homogeneizava os espíritos caboclos em função de seus papéis rituais.

A Umbanda manteve da matriz africana o culto aos Orixás, o transe de possessão e o rito dançado, mas seus ritos, celebrados em português, são bem mais simples e acessíveis. 

Diferente do modelo africano, sua concepção de mundo é fortemente marcada pela valorização da caridade, isto é, o trabalho desinteressado em prol do outro, muito característico do kardecismo, religião de inspiração cristã no plano dos valores.

O controle moral na umbanda se estende sobre a atividade religiosa de tal modo que as entidades espirituais, os espíritos dos mortos, devem praticar a caridade, ajudando seus fiéis e clientes a resolverem toda sorte de problemas. 

A noção de que os espíritos vêm à Terra para trabalhar é basilar no kardecismo. Igualmente, as práticas de ajuda mágica vão constituir o centro do ritual umbandista. 

A incorporação da noção cristã de um mundo cindido entre o bem e o mal, associada à necessidade de praticar a caridade, fez com que a umbanda se afirmasse como religião voltada precipuamente para a prática do bem.

Todas as forças religiosas deveriam ser canalizadas na prática da caridade. Isso não impediu, no entanto, que junto à prática do bem pelas entidades do chamado panteão do bem ou da direita, surgisse, desde o início, ainda que de modo escondido, uma "face inconfessa" do culto umbandista: uma espécie de universo paralelo em que as práticas mágicas de intervensão no mundo não sofrem o constrangimento da exigência ética, em que todos os desejos podem ser atendidos. Afinal, a herança africana foi mais forte que a moralidade kardecista e impôs a idéia de que todos têm o direito de ser realizados e felizes neste mundo, acima do bem e do mal.

Foi nesse espaço em que a questão do bem e do mal está suspensa que a umbanda construiu um novo modelo de entidade espiritual denominado exu, freqüentemente associado ao diabo dos cristãos. 

Os exus-diabos da quimbanda na verdade nem são o demônio cristão nem o orixá Exu do candomblé africano.

São espíritos de seres humanos cujas biografias terrenas foram plenas de práticas anti-sociais. É nesse modelo que todas os personagens de moralidade questionável, como as prostitutas e os marginais, são acomodados. 

Para resumir, o bem conta com entidades do bem, que são os caboclos, os pretos-velhos e outros personagem cuja mitologia fala de uma vida de conduta moralmente exemplar (Concone, 2001). São as entidades da direita. 

Os de má biografia pertencem à esquerda, não se constrangem em trabalhar para o mal, quando o mal é considerado incontornável. 

( Há que se fazer um aparte aqui, pois isso ocorreu no início das manifestações, quando ainda não se sabia que havia uma divisão no plano astral. E que, podíamos não aceitar a incorporação de qualquer espírito que fazia e faz questão de se passar por Exus e/ou Pombagiras. Hoje já foi feito uma separação entre esses manifestantes que usam propositadadmente os nomes de Exus. Atualmente só recebe nome Exu aquele que estiver na Lei, do contrário é tido por nós os umbandistas como Kiumba = fora da Lei, não são aceitos em nossos cultos.)

Formam as fileiras dos Exus e suas contrapartidas femininas, as Pombagiras (Prandi, 2001). Compõem com outros tipos sociais já referidos uma espécie de mostruário plural das facetas possíveis do brasileiro comum. Para não integrar os Exus e Pombagiras no mesmo espaço das entidades da direita, em que se movimentam os praticantes do bem, a Umbanda os reuniu num espaço à parte, num culto que por muitas décadas foi mantido subterrâneo, escondido e negado, a chamada quimbanda.

Tipos anti-sociais e indesejáveis sim, mas excluídos não — afinal, cada um com sua espiritualidade e sua força mágica nada desprezível. A Umbanda não exclui ninguém, na busca de uma síntese para o Brasil nada pode ser deixado de fora.

No panteão das entidades da esquerda, as mulheres ganharam um lugar especial. As religiões tradicionais sempre trataram as mulheres como seres perigosos, voltadas para o feitiço, para o desencaminhamento dos homens, fontes de pecado e perdição. 

É o que nos conta o mito bíblico judaico-cristão de Eva e toda a tradição iorubá das velhas mães feiticeiras, as Iá Mi Oxorongá. 

As pombagiras teriam sido mulheres de má vida; elas desconhecem limites para a ação e são capazes, a fim de atender os desejos de seus devotos e de sua vasta clientela, de fazer o mal sem medir as conseqüências. 

As famosas Pombagiras, os exus femininos, foram em vida mulheres perdidas, prostitutas, cortesãs, companheiras bandidas dos bandidos amantes, alcoviteiras e cafetinas, jogadoras de cassino e artistas de cabaré, atrizes de vida fácil, mulheres dissolutas, criaturas sem família e sem honra. 

A elas coube sobretudo a fatia da magia relacionada a assuntos amorosos. 

No fundo, o culto ao panteão dos Exus e Pombagiras aponta para a redenção de tipos sociais usualmente rejeitados, com a assunção de perversões da alma que se enredam na vida real e na fantasia do homem e da mulher comuns.

Como já disse, a Umbanda é resultante de um processo de síntese, de uniformização. A inclusão em seus panteão de personagens dos cultos caboclos regionais teve que obedecer ao modelo dicotômico da direita e da esquerda, e isso provocou transformações radicais em muitas entidades que migraram para a Umbanda. 

Assim Zé Pelintra, por exemplo, que na origem é um Mestre do Catimbó, foi, no Rio de Janeiro, transmutado em Exu, trabalhando para a esquerda. Igualmente Maria Padilha, originalmente também Mestra da Jurema, foi feita Pombagira de renome e sucesso nas giras de Quimbanda. 

( Seo Zé Pilintra baixa nas Giras como Baiano e não Exu. Mas, há os "zés pilantras" também [ leia-se kiumbas] ) 

Até mesmo a encantada Cabocla Mariana, filha do Rei da Turquia, figura famosa da encantaria do Tambor-de-mina, muito festejada tanto no Maranhão quanto no Pará (Leacock e Leacock, 1975), viu-se em São Paulo quase transformada em pombagira. O mesmo aconteceu com muitos outros guias espirituais.

( Há Pretas Velhas Marianas, Pombagiras não!)

Uma vez que a umbanda foi se alastrando pelo Brasil inteiro, os cultos caboclos regionais, que se mantiveram vivos em seus locais de origem, começaram a passar por um processo de umbandização.

Hoje, no sertão do Nordeste, quiçá no Brasil todo, é difícil ver um culto de Jurema que não seja no interior de um Terreiro de Umbanda. 

Até na Bahia, Exus da Quimbanda dançam em velhos Terreiros do Candomblé de Caboclo (Assunção, 2001; Caroso e Rodrigues, 2001; Shapanan, 2001). 

Com o grande trânsito que hoje existe em todo o universo religioso afro-brasileiro, personagens como os referidos Zé Pelintra e Maria Padilha retornam aos seus locais de origem completamente transformados.


VI


Mas essa história ainda não terminou. Há algum tempo o pluralismo religioso brasileiro vem se desenvolvendo amplamente, possibilitando a criação de um mercado mágico-religioso em que as religiões afro-brasileiras se expandem e ganham maior visibilidade. 

Cada vez mais as escolhas religiosas são livres e as religiões ampliam suas ofertas religiosa, adequando-se aos novos tempos, novos mercados, novos gostos religiosos.

Por todo lado há novas religiões, novos santos, novos deuses. Nos dias de hoje, a religião tem que se atualizar para poder competir com as outras. A sociedade em permanente mudança impõe um novo movimento de valorização da diversidade cultural. 

Os antigos cultos caboclos de caráter regional vão também se tornando conhecidos nos mais diferentes rincões do país e suas entidades ganham o status de objetos de culto de âmbito nacional.

Caminhos se refazem, personagens se reconstituem. Não é mais tempo de buscar uma identidade brasileira que seja única, homogênea, capaz de representar a nacionalidade num só símbolo, como ocorreu nos anos 20 e 30 do século passado.

No final do século XX, alvorecer do XXI, quando a Umbanda já é quase centenária, importa agora enfatizar as diferenças, manter as especificidades, festejar o pluralismo.

( Dia 15 de novembro a Umbanda completou 102 anos) 

Nossos personagens sagrados, nossos mestiços espíritos caboclos da Umbanda também ganham novas feições nesse novo processo de busca da diversidade, pois é preciso sempre se atualizar. 

O caboclo e o preto-velho são as entidades fundantes da Umbanda e continuam sendo ainda as mais cultuadas. 

Índio e negro são matrizes tanto do povo brasileiro como dessa religião, mas, já no contexto do Brasil urbano contemporâneo, em que o catolicismo já perdeu cerca de um quarto de seus seguidores e seus modelos de moralidade dual perdem importância na sociedade.

Outro tipo social vem ganhando cada vez mas adeptos no universo umbandista: o Baiano (Souza, 2001). Surgido nas últimas décadas, o baiano já ganhou significativa popularidade. Sua origem mítica remete aos velhos pais-de-santo da Bahia, aos homens negros e mulatos das cidades litorâneas do Brasil, sobretudo migrantes residentes no Rio de Janeiro. 

São em grande parte personagens da chamada malandragem carioca, pouco afeitos às convenções sociais, mas que não chegam a ser interesseiros e maus-caracteres nem arruaceiros e perigosos como os Exus da quimbanda. Nem tampouco são exímios curandeiros como os caboclos ou sábios conselheiros como os pretos-velhos.

Estão exatamente na fronteira entre o bem e o mal, apagando essa distinção dicotômica moral. E rapidamente a umbanda vai deixando se fazer distinção entre esses dois lados, o do bem e o do mal, reassumindo a visão africana de que tudo anda junto, tudo é ambíguo e contraditório. 

Talvez por isso os baianos vêm sendo tão valorizados. Eles são símbolos exemplares do novo caráter de síntese moral umbandista que vai abandonando a dualidade cristã. Assim, apaga-se a fronteira entre a direita e a esquerda, e os exus e as pombagiras vão deixando de ser vistos como entidades perigosas, suspeitas e socialmente indesejáveis, cujo culto devia ser mantido secreto, escondido. 

Zé Pelintra e Maria Padilha, nossos emblemáticos migrantes, já podem voltar a ser Mestres da Jurema, simplesmente. A encantada Mariana pode continuar a ser a Bela Turca.

A flexibilidade e a enorme capacidade de adaptação da religião mestiça afro-brasileira estava já, evidentemente, inscrita no seu nascedouro: é esta a herança dos bantos escravizados no Brasil e seus descendentes. 

Seus seguidores nos dias de hoje já não são mais necessariamente nem bantos e nem negros, mas brasileiros de todas as origens raciais que partilham desse universo religioso mestiço. 

São adeptos dos encantados caboclos que se reúnem em congressos e seminários para discutir o caráter de suas entidades e guias espirituais e questionar suas raízes, reafirmando sua crença em sua religião. 

Os fiéis crêem que seus caboclos, mestres e encantados, de todas as origens, seguem em sua dança de transe, abrindo-lhes o caminho na religação deste mundo material e passageiro dos humanos ao mundo eterno e espiritual habitado pelos deuses.


Reginaldo Prandi 

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Agradeço a André Ricardo de Souza e Patrícia Ricardo de Souza, meus orientandos no Doutorado em Sociologia da USP, pela ajuda na redação de uma versão preliminar. Agradeço ao CNPq a bolsa de pesquisa que tem me permitido estudar as religiões afro-brasileiras.

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Reginaldo Prandi é Professor Titular de Sociologia da Universidade de São Paulo. Em 2001 recebeu o Prêmio Érico Vannucci Mendes, outorgado pelo CNPq, SBPC e Minc, pela sua contribuição à preservação da memória cultural afro-brasileira, e o Prêmio União na Diversidade, conferido pelo Intecab, Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira. 

Em 2002 teve dois livros indicados para o Prêmio Jabuti: Mitologia dos orixás, na categoria ciências humanas, e Os príncipes do destino, na categoria infanto-juvenil. Publicou também outros livros, como Os candomblés de São Paulo, Herdeiras do axé, Um sopro do Espírito, A realidade social das religiões no Brasil, este em co-autoria com Antônio Flávio Pierucci, Encantaria brasileira, do qual é organizador, e Ifá, o Adivinho.

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