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05/08/2016

Onde andam as avós?






Outro dia, numa gira de Pretos/as Velhos/as, olhando para as amadas avozinhas senti essa nostalgia, pois as cenas me trouxeram lembranças de minha infância, e tudo o que pude experimentar com minha avó, só tive uma, e as vovós de minhas amiguinhas.

A nostalgia me fez lembrar deste texto que apresento a seguir, honrando e homenagendo as amadas Pretas Velhas e Mamãe Nanã, cuja presença se fez sentir.

- SALUBA NANÃ!
- Adorei as Almas!






[ Também quero saber! ] Onde andam as avós?


Que me perdoem as malhadíssimas, elegantíssimas e antenadíssimas avós de hoje, mas, correndo o risco de provocar a ira de algumas (ou de muitas) mulheres, vou confessar o inconfessável: eu gostava mais (e morro de saudades) das avós de antigamente.

No mundo que elevou o ser (ou parecer) jovem à categoria de virtude, lamento dizer, mas eu amava aquelas avós de cabelos grisalhos presos com travessinhas de tartaruga, pantufas de feltro que deslizavam mansamente pelos assoalhos das casas e vestidos de estampa miúda desbotada pelo tempo.

Avós que só usavam maquiagem nos casamentos dos netos – e a maquiagem consistia apenas de pó compacto e batom, aplicados com mãos trêmulas diante do espelho do banheiro.

As avós de ontem engordavam sem alarde e sem medo. Ignoravam quantas calorias tinham os alimentos e era em torno de mesas fartas que exercitavam a convivência e o afeto. Suas rugas contavam histórias e suas histórias nos ajudavam a traduzir o mundo, enquanto alinhavavam o tempo sem pressa.

Colo de avó acalmava os medos infantis. Olhar de avó acalmava todos os medos. E o cheiro de talco e de gavetas antigas que acompanhava os abraços nos levava para um território onde nos sentíamos a salvo das intempéries, muitas vezes a salvo de nós mesmos.

Nada contra as avós de hoje (e, se eu tivesse tido filhos, certamente seria uma delas). Nada contra trocar a cadeira de balanço pela esteira ergométrica, ou substituir os vestidos sem forma pelas roupas compradas nas mesmas lojas onde as filhas e as netas se vestem.

Mas a sensação que tenho, ao ver as mulheres de todas as idades cada vez mais parecidas, é que estamos apagando alguns ciclos da vida, transformando as quatro estações em duas ou três, removendo da paisagem humana o outono e o inverno. E essa paisagem vai ficando estranha, irreconhecível, cheia de lacunas que não há como preencher.

Quando vejo uma dessas avós de ontem (ainda existem algumas poucas) convivendo na mais absoluta paz com suas rugas, seu corpo de avó e a certeza de que jamais será confundida com suas netas, faço questão de olhar demoradamente para ela.

Olho e deixo que sua imagem que acolhe e tranquiliza me alimente.

É como contemplar uma árvore secular em cuja sombra crescemos, com a consciência de que em breve ela deixará de existir. E a saudade do que ainda está entre nós, mas tem os dias contados, costuma doer mais do que a saudade do que já se foi.

Mistura a tristeza que se sabe que virá com a tristeza que já começamos a sentir.

Avós de hoje, perdoem-me pelo desabafo e pela nostalgia. Vocês são – e estão – ótimas. Mas acho que as avós do passado vão fazer falta. Ou não.

Talvez eu esteja sendo mais nostálgica do que devo. Talvez seja hora de aposentar as velhas cadeiras de balanço. Mas ainda tenho que me acostumar com as avós de jeans apertados e rosto sem rugas.

Como tudo (ou quase tudo) na vida, é só uma questão de tempo.

Leila Ferreira, jornalista
Autora do livro A arte de ser leve, Editora Globo


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